Magda Hruza de Souza Alqueres Ferreira*
Yvina Rafaela de Sousa Araújo Bomfim**
Em 13 de julho de 2017 foi promulgada a Lei nº 13.467, resultado da aprovação pelo Congresso Nacional de um projeto de lei que objetivava modernizar as relações de trabalho consagrando o princípio do negociado sobre o legislado e alterando a ordem hierárquica dos instrumentos coletivos de trabalho, entre outras medidas que poderemos discorrer ao avançado deste artigo.
As empresas e as entidades sindicais passaram um tempo avaliando um de seus dispositivos que se afigurava contraditório posto que eliminava a contribuição sindical obrigatória e pouco dos novos institutos foram efetivamente se consolidando no cenário trabalhista brasileiro.
No início de 2020 o mundo se vê surpreendido pelos primeiros casos de contaminação por um novo coronavírus (Covid-19) e prevendo a possibilidade do novo vírus se alastrar até o Brasil, foi promulgada a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, dispondo sobre as medidas para enfrentamento do coronavírus, objetivando a proteção da coletividade e a partir dele muitos atos foram implementados para garantir a sobrevivência de empresas e de trabalhadores e, para alguns, um quadro de muita instabilidade jurídica demandando atuação inclusive do STF – Supremo Tribunal Federal o que gerou mais controvérsia e majorando as dúvidas sobre as medidas nele previstas.
Dentre as medidas elencadas no dispositivo normativo, podemos citar: isolamento, quarentena, determinação de realização compulsória de exames médicos, testes laboratoriais, coleta de amostras clínicas, vacinação e outras medidas profiláticas; uso obrigatório de máscaras de proteção individual; estudo ou investigação epidemiológica; exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver; restrição excepcional e temporária, por rodovias, portos ou aeroportos, de: entrada e saída do País e locomoção interestadual e intermunicipal; requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa; e autorização excepcional e temporária para a importação e distribuição de quaisquer materiais, medicamentos, equipamentos e insumos da área de saúde sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa considerados essenciais para auxiliar no combate à pandemia do coronavírus; entre outras.
* Advogada, negociadora de conflitos individuais e coletivos de trabalho, professora, palestrante, integrante do RH Legal. ** Advogada, pós-graduada em Direito e processo do trabalho, pós-graduanda em Direito previdenciário, pesquisadora, palestrante, integrante do RH Legal.
Esta lei foi regulamentada pelos Decretos nº 10.282, de 20 de março de 2020 que define os serviços públicos e as atividades essenciais e também pelo Decreto nº 10.288, de 22 de março de 2020 que define as atividades e serviços ligados à imprensa como atividades essenciais
Menos de um mês depois do estabelecimento de medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional, decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019, é decretado o Estado de Calamidade Pública pelo Decreto nº 6, de 20 de março de 2020.
Além do aspecto financeiro governamental, com a restrição da circulação de pessoas e o isolamento social, tornou-se urgente a criação de meios, não apenas para conter o avanço do vírus, mas para garantir a “sobrevivência” das empresas e, consequentemente, a continuidade dos empregos. Assim, em 22 de março de 2020, é editada a Medida Provisória nº 927, dispondo sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública e do estado de emergência pública.
A norma além de conferir maior poder aos acordos individuais, inclusive se sobrepondo a lei e as convenções coletivas, traz no seu rol de medidas para preservação de emprego e renda: o teletrabalho; a antecipação de férias individuais; a concessão de férias coletivas; o aproveitamento e a antecipação de feriados; o banco de horas; a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho; o direcionamento do trabalhador para qualificação; o diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); e a suspensão do contrato de trabalho, por até quatro meses, sem o pagamento do respectivo salário.
Ressalte-se que tal medida provisória não foi convertida em lei e declarada sua caducidade pelo Ato Declaratório nº 92, de 30 de julho de 2020.
Ora, em meio a uma situação excepcional em que o isolamento social deve ser mantido e as pessoas estão perdendo seus empregos, tais artigos são recepcionados por uma enxurrada de críticas, sendo, inclusive alvos de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), dada a situação de vulnerabilidade enfrentada pelos empregados.
Apesar do momento de crise, a ordem constitucional e social deve ser preservada. Princípios como a dignidade da pessoa humana, proteção, inalterabilidade contratual lesiva e intangibilidade salarial exercem um sistema de freios e contrapesos frente aos excessos, até mesmo do legislador.
Não à toa, a ADI nº 6380 declarou inconstitucional os artigos 29 e 31, e, menos de 24 horas, após a promulgação da MP nº 927/2020, seu artigo 18, que dispõe sobre a suspensão do contrato de trabalho sem remuneração foi revogado pela Medida Provisória nº 928/2020.
No entanto, ainda perdurava, para os empregadores, a necessidade de uma norma ou ajuda governamental que os auxiliasse durante a calamidade pública. Surge, nesse sentido, a Medida Provisória nº 936, de 1º de abril de 2020, instituindo o benefício emergencial de preservação do emprego e da renda (BEm), nos casos de redução proporcional da jornada de trabalho e de salário e na suspensão do contrato de trabalho.
Em linhas gerais, a norma prevê: 1) a redução proporcional da jornada de trabalho, por até noventa dias, exclusivamente, nas faixas percentuais de 25%, 50%, 70%, sendo a complementação da remuneração paga pelo governo, com base no seguro-desemprego; 2) a suspensão temporária do contrato de trabalho, mediante acordo escrito, pelo prazo máximo de sessenta dias, podendo ser fracionado em até dois períodos de trinta dias, também paga pelo governo com base no seguro-desemprego, integralmente se a empresa tiver faturamento anual de até R$ 4,8 milhões. Sendo o faturamento maior que R$ 4,8 milhões, o empregador, obrigatoriamente, arcará com a ajuda compensatória mensal no valor de trinta por centro do valor do salário do empregado. Ademais, o empregado fará jus a todos os benefícios concedidos pelo empregador, como: vale refeição, plano de saúde, plano odontológico etc; 3) Garantia provisória de emprego ao empregado que receber o benefício emergencial de preservação de emprego e renda durante o período de redução de jornada/suspensão temporária do contrato de trabalho e após o restabelecimento da jornada ou encerramento da suspensão, por período equivalente ao acordado para a redução/suspensão.
Posteriormente, em 7 de julho de 2020, a Medida Provisória nº 936/2020 foi convertida na Lei nº 14.020, dilatando o prazo de redução e suspensão da jornada de trabalho, que passa a ser de 120 dias[1] , para os novos acordos, podendo ser fracionado de forma sucessiva ou intercalada, desde que os períodos sejam superiores a 10 dias.
No contexto das medidas prevendo a redução proporcional e a suspensão dos contratos de trabalho, frise-se, para vigorar enquanto durar o estado de calamidade pública[2], surpreende a todos quando a Medida Provisória nº 927/2020 tem sua vigência expirada em 19 de julho de 2020 e a Medida Provisória nº 936 foi convertida na Lei 14.020/2020 sendo certo que três decretos foram posteriormente editados para prorrogar os prazos inicialmente fixados na Lei nº 14.020/2020 - Decretos nºs 10.422, de 13/07/2020, 10.470, de 24/08/2020 e 10517, de 13/10/2020
É notório e, claramente, perceptível que o período pandêmico produziu uma miscelânea de atos normativos. Questões importantes como férias e décimo terceiro nos contratos que sofreram suspensão ou redução da jornada de trabalho, por exemplo, não foram regulamentadas, dependendo acolhimento de recomendação da Nota Técnica SEI nº 5.1520/2020 do Ministério da Economia, que acertadamente sugeriu que o 13º e as férias fossem pagos integralmente nos contratos que sofreram redução de jornada, vez que a prestação de serviço por parte do empregado não foi interrompida, e nos contratos suspensos esses benefícios deveriam ser pagos de forma proporcional ao atendimento dos requisitos da concessão de férias e décimo terceiro, ou seja, se o empregado laborou menos de 15 dias não fará jus a 1/12 daquele respectivo mês para fins de 13º, da mesma forma que os meses de suspensão não serão computados no período aquisitivo de férias e nem do pagamento do 13º salário, com a ressalva já referente aos meses anteriores à suspensão. O que acaba gerando instabilidade e insegurança jurídica em um contexto que por si só já causa incerteza. Em contraponto, modalidades como o teletrabalho regulamentado com as inclusões do Capitulo especialmente dedicado a ele na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), pela Lei nº 13.467, de 13/07/2017 exige mais regulamentação, em um país conhecido pelo excesso de burocracia, muitos são os projetos de lei que cuidam da matéria embora a sociedade está se ajustando com os acordos coletivos já celebrados e que podem ser um ensaio salutar até que haja a possibilidade de serem apreciados os projetos de lei após o fim do estado de calamidade pública e se possa concluir que a via negocial pode ser a mais segura para estabelecer regras que assegurem caminhos firmes para a sua adoção prevalecendo o princípio do negociado sobre o legislado.
[1] Nos contratos já suspensos ou com jornada reduzida, podem ser acrescidos mais 30 dias, com a edição da Lei nº 14.020/2020. [2] Esclarecemos que findo o prazo do estado de calamidade pública, os contratos de trabalho que estiverem suspensos ou com jornada reduzida produziram seus efeitos até o fim do decurso contratual das alterações. No entanto, as empresas que ainda não utilizaram desse instrumento legal, não mais poderão fazê-lo, haja vista, o encerramento dos efeitos da Lei 14.020/2020.
Levando-se em consideração todos esses aspectos e, tendo em vista, a “esquizofrenia” legislativa brasileira, em busca da segurança jurídica tão esperada e desejada por empregadores e empregados, a negociação coletiva mostra-se como único meio apto e hábil a promover mudanças seguras durante a pandemia, sendo os sindicatos, entidades imprescindíveis à regulamentação das relações trabalhistas.
Clique no arquivo abaixo para acessar o arquivo "Anexo - Legislação Trabalhista com os atos legislativos que vigoram no período decretado de Estado de Calamidade Pública".
Artigo escrito por Magda Hruza de Souza Alqueres Ferreira e Yvina Rafaela de Sousa Araújo Bomfim, membros do grupo de trabalho RH Legal | ABRH-RJ.
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